sábado, 2 de julho de 2016




O MENINO DA SUA MÃE

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.


Fernando Pessoa 


3 comentários:

Unknown disse...

Quem se lembrou de nos embalar com este Poema tão profundo?!
Tenho-o no meu relicário da saudade… Grata!



Maria Adelina Lopes disse...

Tão sublime no seu dramatismo. Sempre Pessoa. Grata pela partilha Cecília Pires

Cecília Pires disse...

Um poema muito bonito, que permite uma dupla interpretação: uma mais literal, outra mais relacionada com a vivência pessoal do poeta, que muito cedo perde o pai e vê a mãe casar em segundas núpcias, mudar de país e ter um outro filho. O soldado morto na guerra, aqui magnificamente cantado pelo poeta, pode muito bem personificar o próprio poeta, que vê na Infância (até aos seus cinco anos) uma idade perfeita e feliz, um paraíso perdido e irrecuperável... Também ele ficaria para sempre O menino de sua mãe.