Quase não oiço, mas sinto envolver-me um aterrador
Coro de bocejos da Pátria triste, sem ânimo
Nem força, a cair no marasmo e letargia.
Geme de miséria. Ergue-se a prece e a blasfémia.
É assustador!
Depois de tão demorada dança e festança,
Com os pés feridos de tão espinhosos caminhos,
Quase já não sustem o bordão...
Roto está o alforje... pouco é o pão.
Próximos, espreitam os abutres
À espera de sua morte, do seu morrer.
É de tremer!
Que venham depressa os castigos
Para esses pérfidos malfazejos
Responsáveis por tal padecer.
Quem nos pode valer?
Portugal terá de regressar ao normal.
Um País com pouca riqueza não pode viver,
Em contínuo festival e excessos de uns tantos,
Em banquetes e orgias, no captar de votos,
Porque o Estado não pode,
Nem deve, a tudo prover!
É fácil de perceber!
Se democracia séria for
Imporá, além de justiça, labor
Sem explorado nem explorador.
Para que vingue o reino do Amor!
Entretanto, agora o povo brada e blasfema
Pouco querendo saber do tempo passado,
Preocupado com o hoje, com o agora
E aterrado com o que será o amanhã,
Porque a miséria não se vai embora…
Deverá ir em boa-hora!
Bem se dispensaria tão estranha, arrasante
E mundanária fera, que não se queria,
E de que se não estava à espera!
Trilhaste perigosos caminhos
De fantasias e de trevas,
Portugal - e Mundo!
Bateste no fundo!
Eis o despertar trágico
E implacável dum sonho irreal.
Tudo o que parecia ser se desfez,
Até os pardais andam tristes…
São cada vez menos as migalhas.
Vamos enfrentar novas batalhas!
Só te enfureces com os de hoje?
Esqueces os outros? Não lhes ralhas,
Nem amaldiçoas?
A esses tudo perdoas?
Mundo igualmente cheio de tanto mal,
Ética deitada ao lixo,
Em nome do progresso e da democracia.
Irra. Quem tal diria…
Envolve-me o vento numa queixa
Que lança ao Grande Juíz:
- Que ignota maldição foi lançada ao meu País?
Sofre o povo gente de fibra e de raça
Dor dantesca imerecida, uma tamanha desdita
Provocada por quem não ouve a grita.
O povo já não cala agora seu orgulho ferido
Nem a dor e revolta que acumula no peito.
Olha para trás e vê seus sonhos
Boiarem num mar de saudade e desesperança.
Pelos vales ressoam ecos de plangência
De tantas lágrimas no silêncio choradas.
Sonho de terror! Porque não de Fadas?
Vamos agora, tu, eu e milhões
Iniciar implacável caça aos ladrões.
Desperta. Terminou a farsa, o festival.
Levanta-te, ergue-te, caminha povo;
És tu quem terá de reconstruir Portugal!
João Coelho dos Santos