segunda-feira, 30 de abril de 2018

Eu te levarei em mim




Eu te levarei em mim

Eu te levarei em mim
Enquanto houver vida, querido
Baterá no meu, o teu coração

Volume sem peso
Como uma mãe leva um filho
Que morreu sem viver

E tu estarás comigo
Querido, no som da chuva
Ou no sol que te imita o sorriso

E haverá estrelas eternas
Alumiadas de ternura
Salgadas de lágrimas
Húmus onde a alma floresce
Em labirintos desencontrados
Nos jardins do porvir

Querido…

Alma Mater






domingo, 29 de abril de 2018

Ciclo, Alma Mater



A
L
M A T ER
A

A Paz sem Vencedor e sem Vencidos






Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos



Sophia de Mello Breyner Andresen



sábado, 28 de abril de 2018

Apesar...




Apesar das Ruínas

Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Que nenhuma estrela

ESTA GENTE



Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen


Um Dia Quebrarei Todas as Pontes - Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Mar - Sophia de Mello Breyner


Este é o tempo



Este é o tempo 
Da selva mais obscura 

Até o ar azul se tornou grades 
E a luz do sol se tornou impura 

Esta é a noite 
Densa de chacais 
Pesada de amargura 

Este é o tempo em que os homens renunciam. 


Sophia de Mello Breyner, Mar Novo  


quarta-feira, 25 de abril de 2018

NESTA HORA, POR ONDE ANDA O IDEAL DE ABRIL?




Nesta Hora

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
— Sob o ausente olhar silente de atenção

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste

SOPHIA DE MELLO BREYNER


Hora - Sophia de Mello Breyner Andresen


Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 24 de abril de 2018

LUA



Entre a terra e os astros, flor intensa,

Nascida do silêncio, a lua cheia

Dá vertigens ao mar e azula a areia,

E a terra segue-a em êxtases suspensa.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Sophia de Mello Breyner - Este é o tempo

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Meditação




MEDITAÇÃO

Nunca mais
a tua face será pura limpa e viva,
nem teu andar como onda fugitiva
se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
do teu ser. Em breve a podridão
beberá os teus olhos e os teus ossos
tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
sempre,
porque eu amei como se fossem eternos
a glória, a luz e o brilho do teu ser,
amei-te em verdade e transparência
e nem sequer me resta a tua ausência,
és um rosto de olvido e negação
e eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Nunca mais te darei o tempo puro
Que em dias demorados eu teci
Pois o tempo já não regressa a ti
E assim eu não regresso e não procuro
O deus que sem esperança te pedi.

Sophia de Mello Breyner Andresen 

Semana dedicada à grande Senhora da Poesia


domingo, 22 de abril de 2018

Terra Madre -



(No dia 22 de Abril dia da Terra a minha homenagem)


Terra Madre

Tirei a venda da pressa e olhei a terra
 Como se fosse dia em noite serena
Colcha a tinta desenhada, e toda ela
É sacra e profana é escultura e poesia
Alma de Orfeu que nela se derramou

Senti os teus passos, Pessoa
Contados, precisos, quanto o teu saber
Em cada linha a expressão do teu viver
Face austera... mescla única, simbiótica
Fórmula alquímica da compreensão

Terra Madre, âncora e direcção
Difamada de dura, equidistante
Ferida, no teu coração pulsante
Que dás vida a quem não a tem
E clareias a Alma dos que abrigas

De névoas,  medos,  escuridão
Apanágio do homem, da sua dor
Que evola em sopros de desamor
Peça rude, da bancada de alquimia
Que é a Terra, síntese da sabedoria


A.





domingo, 15 de abril de 2018

O Caminho




O Caminho

A mochila que carrego às costas,
não tem peso para mim
contém o necessário p`ro caminho
Com fé e esperança percorro
o bem, que vou rasgando em mim

Trago um alimento precioso,
o amor por mim e por ti,
que caminhas a meu lado
sem questionares,
o tempo que falta, para o fim.

O amor é assim,
até as pedras do caminho,
sorriem e mudam de cor,
mostrando em seguida,
um novo amor em mim.

Fernando Teixeira


quinta-feira, 12 de abril de 2018

Pátria Triste



PÁTRIA TRISTE  

Quase não oiço, mas sinto envolver-me um aterrador
Coro de bocejos da Pátria triste, sem ânimo
Nem força, a cair no marasmo e letargia.
Geme de miséria. Ergue-se a prece e a blasfémia.
É assustador!

Depois de tão demorada dança e festança,
Com os pés feridos de tão espinhosos caminhos,
Quase já não sustem o bordão...
Roto está o alforje... pouco é o pão.
Próximos, espreitam os abutres
À espera de sua morte, do seu morrer.
É de tremer!

Que venham depressa os castigos
Para esses pérfidos malfazejos
Responsáveis por tal padecer.
Quem nos pode valer?

Portugal terá de regressar ao normal.
Um País com pouca riqueza não pode viver,
Em contínuo festival e excessos de uns tantos,
Em banquetes e orgias, no captar de votos,
Porque o Estado não pode,
Nem deve, a tudo prover!
É fácil de perceber!

Se democracia séria for
Imporá, além de justiça, labor
Sem explorado nem explorador.
Para que vingue o reino do Amor!

Entretanto, agora o povo brada e blasfema
Pouco querendo saber do tempo passado,
Preocupado com o hoje, com o agora
E aterrado com o que será o amanhã,
Porque a miséria não se vai embora…
Deverá ir em boa-hora!

Bem se dispensaria tão estranha, arrasante
E mundanária fera, que não se queria,
E de que se não estava à espera!

Trilhaste perigosos caminhos
De fantasias e de trevas,
Portugal - e Mundo!
Bateste no fundo!

Eis o despertar trágico
E implacável dum sonho irreal.
Tudo o que parecia ser se desfez,
Até os pardais andam tristes…
São cada vez menos as migalhas.
Vamos enfrentar novas batalhas!

Só te enfureces com os de hoje?
Esqueces os outros? Não lhes ralhas,
Nem amaldiçoas?
A esses tudo perdoas?

Mundo igualmente cheio de tanto mal,
Ética deitada ao lixo,
Em nome do progresso e da democracia.
Irra. Quem tal diria…

Envolve-me o vento numa queixa
Que lança ao Grande Juíz:
- Que ignota maldição foi lançada ao meu País?

Sofre o povo gente de fibra e de raça
Dor dantesca imerecida, uma tamanha desdita
Provocada por quem não ouve a grita.
O povo já não cala agora seu orgulho ferido
Nem a dor e revolta que acumula no peito.
Olha para trás e vê seus sonhos
Boiarem num mar de saudade e desesperança.
Pelos vales ressoam ecos de plangência
De tantas lágrimas no silêncio choradas.
Sonho de terror! Porque não de Fadas?

Vamos agora, tu, eu e milhões
Iniciar implacável caça aos ladrões.

Desperta. Terminou a farsa, o festival.
Levanta-te, ergue-te, caminha povo;
És tu quem terá de reconstruir Portugal!


 João Coelho dos Santos




segunda-feira, 9 de abril de 2018

Fina D`Armada 9 Abril 1946 // 7 de Março 2014 (serás sempre uma voz na nossa lembrança)






Eu sou a voz







Eu sou a voz e o eco dum tempo novo
que renasce vibrante do fundo dos tempos.
Eu sou a voz do murmúrio dos pinhais
que bate nas urzes dos montes de Arga.
Sou a voz do vento que assobia nos prados
ondulando os milhos plantados em linha
e a erva para o gado que cresce em pauis.
Sou a voz do ralo, do grilo, sou a voz das aves
que quebram os silêncios de madrugadas azuis.
Sou a voz da água das fontes da Armada
cantando por regos entre erva não semeada.
Sou a voz que brama do mar por terras de Âncora,
a voz do oceano chamando barcos e vidas
que partem sem medo em busca de pão.
Eu sou a voz-natureza que nasceu do povo,
sou a voz da mulher que agora tem som,
eu sou a voz e o eco dum tempo novo


Fina D `Armada


In “Âncoras e Horizontes”, APPACDM, Braga, 1998




sábado, 7 de abril de 2018

A todos os Anjos deste mundo




No céu moldado, ninho de cristal

Ser reflexo da luz universal

Em passinhos miudinhos me arrimo

No colo fecundo dos seres do mundo


Ser doçura, ternura, alegria, consolo

Deixar esteira de estrelas no ósculo sagrado

Pelos lábios desenhado, em beijos recriado

Ser o teu próprio coração, de saber iluminado


Vê-te no meu olhar, na glória do teu Ser

Jazida de bem-querer à espera de nascer

Em efusão de amor, ser o vinho do Graal

Com Ele assumido, na Ceia da noite milenar


A todos os Anjos deste mundo, predilectos da Criação, 
e do meu coração



A.






sexta-feira, 6 de abril de 2018

Legado


LEGADO

Levo ao colo
um cordeiro de leite
e os punhos rebentados
da geada.
Levo às costas
braçadas de pressa
e um anjo ferido na asa.

Preciso de um carreiro
para chegar a casa.


Anabela Coelho




quarta-feira, 4 de abril de 2018

A Alma no Beijo



A Alma no Beijo

Como são ásperos os beijos de papel
Mais uma trivialidade na arena da vida
São feitos de arame farpado que isola
Sabem a distância não transposta
Exangues da seiva que dá a vida

O beijo é o selo de todas as alianças
A mais bela flor do nosso jardim
Com tantos e doces beijos confortou
Mirian os pés de seu amado Jesus
Com um beijo, o Cristo se cumpriu

Beijar com a alma é moldar
A omnipresente ternura da criação
Como a semente no bico dos pássaros
Semeia a prodigalidade por onde passa
Colheita, das bênçãos de Deus


A.




segunda-feira, 2 de abril de 2018

Reinvenção

Reinvenção


A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles