Por vezes, os
duendes
Por vezes, os duendes
acordam-me
E ordenam-me que
escreva
Que me deite em
sangue
Sobre as frases que
persistem em não vir …
Não há poesia nenhuma
Que me prenda, que me
agarre
E fico parado,
imóvel, à escuta
Que uma ideia, um
sentimento, uma frase
Desencadeie em mim
Aquele interior
fervente
Aquele instinto
telúrico
Que me faça ir pelos
ares
Na busca do
indizível.
O sol amortalha-se na
noite
O silêncio apodera-se
das sombras
Os lumes extinguem-se
na areia
Como peixes arfando
E nem o vento que a
noite levanta
Me traz uma voz, uma
frase que seja
Que venha iniciar-se
o poema
E a mão à espera que
uma pomba
Poise
E arraste o primeiro
fio do meu tapete
Como quem desenha os
carreirinhos das frases
Com que hei-de
construir
O que os duendes me
ordenem.
E nenhuma pomba até
hoje voou
Pelas janelas que em
vão tenho abertas
Talvez nem haja
pomba, duendes
Nem sequer sombras,
Talvez seja só eu a
sangrar-me
Como é costume os
poetas sangrarem …
António A. Cardoso