terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Por vezes, os duendes


     
                           
Por vezes, os duendes                                   
Por vezes, os duendes acordam-me
E ordenam-me que escreva
Que me deite em sangue
Sobre as frases que persistem em não vir …
Não há poesia nenhuma
Que me prenda, que me agarre
E fico parado, imóvel, à escuta
Que uma ideia, um sentimento, uma frase
Desencadeie em mim
Aquele interior fervente
Aquele instinto telúrico
Que me faça ir pelos ares
Na busca do indizível.
O sol amortalha-se na noite
O silêncio apodera-se das sombras
Os lumes extinguem-se na areia
Como peixes arfando
E nem o vento que a noite levanta
Me traz uma voz, uma frase que seja
Que venha iniciar-se o poema
E a mão à espera que uma pomba
Poise
E arraste o primeiro fio do meu tapete
Como quem desenha os carreirinhos das frases
Com que hei-de construir
O que os duendes me ordenem.
E nenhuma pomba até hoje voou
Pelas janelas que em vão tenho abertas
Talvez nem haja pomba, duendes
Nem sequer sombras,
Talvez seja só eu a sangrar-me
Como é costume os poetas sangrarem …

António A. Cardoso

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