Livro de horas
Aqui, diante
de mim,
Eu, pecador,
me confesso
De ser assim
como sou.
Me confesso
o bom e o mau
Que vão ao
leme da nau
Nesta deriva
em que vou.
Me
confesso
Possesso
Das virtudes
teologais,
Que são
três,
E dos
pecados mortais,
Que são
sete,
Quando a
terra não repete
Que são
mais.
Me
confesso
O dono das
minhas horas.
O das
facadas cegas e raivosas
E o das
ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de
qualquer modo
Andanças
Do mesmo
todo.
Me confesso
de ser charco
E luar de
charco, à mistura.
De ser a
corda do arco
Que atira
setas acima
E abaixo da
minha altura.
Me confesso
de ser tudo
Que possa
nascer e mim
De ter
raízes no chão
Desta minha
condição.
Me confesso
de Abel e de Caim.
Me confesso
de ser Homem
De ser um
anjo caído
Do tal céu
que Deus governa.
De ser um
monstro saído
Do buraco
mais fundo da caverna.
Me confesso
de ser eu
Eu, tal e
qual como vim
Para dizer
que sou eu
Aqui, diante
de mim!
Miguel Torga
4 comentários:
Eterno! Gosto da harmonia entre o poema e a imagem.
Eterno! Assim sinto a Torga, eterno como as fragas da serra amarela.
Um homem é as suas qualidades, virtudes e também os seus defeitos e coisas menos boas. O homem, na sua natural e intrínseca imperfeição. Miguel Torga, um poeta consciente, lúcido, inconformado, sofrido, telúrico...
Outra definição perfeita para Miguel Torga "telúrico"
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