O
SANTINHO
A cor esbatida e gasta aviva-lhe a memória.
O meu santinho é uma estampa e nada mais. Tem dentro dele toda uma vida. Tem
dentro dele a minha Mãe.
Aprisionou-a dentro das linhas de uma
esquadria que a deixa inerte. Aprisionou-a para a guardar. As quatro linhas da
cercadura moldam-lhe o rosto; deixam-na branca, de um branco de anjo, de um
branco, branco, que nem eu mesmo soube apagar. O branco fere, tira-lhe a vida e
a esquadria não deixa espaço, nem uma aberta para a soltar. Fica amarrada à
minha espera.
Não tenho aqui, mas vou sonhar. Sonhar a
vida. Trazer tesoura. Fazer magia para a soltar. A minha estampa é um santinho
e eu vou cortá-lo, a toda a volta. Ficará outro, mesmo esbatido, ganhará vida,
cancela aberta para a Mãe voltar... Amarras santas também amarram e eu quero-as
soltas: quero uma aberta para ver a Mãe.
E a tesoura deixa-me a estampa retalhadinha
toda em redor do rosto branco, meio difuso, meio apagado, da Mãe que encerra
toda uma vida fora do altar. É que o santinho tem lá um anjo. Fechou-se lá para
descansar. Venha a tesoura! Venha a magia! Não dou este anjo, nem para o altar!
O meu anjinho não é já anjo... E é
menina!... Perdeu as asas. Não sai do sítio. As quatro linhas deixam-no preso.
Preso a uma estampa que é de papel... Vou recortá-lo. Mesmo sem asas, ainda é
menina e é minha Mãe... Vou libertá-lo, dar-lhe outras asas, dar-lhe um
caixilho do seu tamanho, mesmo à medida deste meu gesto que tira os santos do
seu altar!
E o meu santinho, já esbatido, é mais
pequeno, mas diz-me coisas de me embalar...
Maria Aida
Araújo Duarte
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