INFÂNCIA
Eu
regresso à infância
Como
quem volta de um país longínquo
Trazendo
as memórias dolentes
Das
amendoeiras em flor
Ou
das cerejeiras carregadas de frutos.
Era
um regressar de nunca ter ido
De
nunca ter deixado de pertencer
Àquele
momento em que o sol
Deambula,
em cor, pelas searas
Pelos
largos campos lavrados
Onde
fecundam carnalmente as sementes….
É a
minha visão da casa lá longe
Que
me segue quando
Me
sento, junto aos leões, em Trafalgar Square
Ou
deambulo ao longo do Sena
Ou
nas altas neves dos Diablerets.
É
como se eu fosse nimbado
Ou
caminhasse todos esses lugares
Quando
corria descalço entre as levadas
Ou
me esgueirava, furtivo, entre os trigos…
E é,
acreditem, uma sensação física
Uma
imersão no sublime
Naquele
lado do mundo
Em
que tudo é longínquo
Mas
ao mesmo tempo de uma realidade infinita
De
uma realidade que nos marca
E
confunde…
Havia
a noite onde colhíamos os sonhos
E
onde dormiam, no fundo da cama,
As
pedrinhas, os berlindes, aquelas alegrias
Com
que no dia seguinte cobríamos o chão
Rodando
o arco, criando arco-íris
Trepando
às grandes árvores,
Aos
nossos Himalaias da infância.
E
suba eu mesmo às mais altas montanhas,
Aos
maiores picos ou torres que haja no mundo,
Ficam
sempre mais baixas
Do
que as minhas árvores…
E
mesmo a ópera em Viena
As
valsas, as grandes árias de Verdi
De
Puccini, de Bach
Não
se comparam aos murmúrios
Da
águas que me deslizam
Na
alma…
Águas
sempre antigas, puríssimas, correndo de seixo em seixo
Até
às minhas mãos abertas a colhê-las.
Aquele
som primitivo, mineral
Correndo
por dentro dos veios da terra
É um
chamamento insistente, de longe
Que
me obriga a regressar
Como
quem volta de um país longínquo…
É o
apelo telúrico da terra
É o
som das sementes no ventre das leivas
É o
sol a estourar
Luz
derramada como se se entornasse o sol
Pelos
campos…
Não
preciso de passaporte
Nem
dos comboios antigos
Por
entre as amendoeiras
Nem
que me digam onde fica o sol.
Eu
sigo de olhos fechados
Através
de janelas deixadas abertas
Como
feromonas antigas
A
indicar-me o caminho
Como
quem volta de um
País
longínquo…
A.
Alves Cardoso
2 comentários:
Raízes, Colo, Aromas, Sabores Antigos, nada se desvanece da memória por mais anos que se viva. Parabéns
Lindo! O termo Infância por só si é já um poema. A infância é o agasalho das asas, é doce e tem o perfume da eternidade. Gostei.
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