domingo, 17 de julho de 2016
terça-feira, 12 de julho de 2016
O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o
rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Fernando Pessoa, in Mensagem
quinta-feira, 7 de julho de 2016
Cântico
Uma
onda branca
Desmaia
em espuma na praia
Cantando
a paz dos lírios brancos.
O
mar, no seu infinito altar,
Entoa
o seu canto inquieto,
Traz,
no ventre, pérolas de sal
E
asas de mil borboletas brancas.
Canta,
mar imenso, a tua fúria!
Canta,
mar profundo, a tua calma!
Canta,
mar das gentes, canta!
Canta
um verso novo a cada alma!
Anabela
Coelho
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII
terça-feira, 5 de julho de 2016
DESCOBERTA
O
relógio da Sé, na contraluz,
Marcava
o destino e a hora da partida
Nas
águas do Tejo reflectia-se a luz
E
o velame dos barcos que estavam de saída…
Na
margem os que ficavam e partiam
Davam
ao céu mui altos gritos
Como
pombas doloridas que se iam
Pelos
vastos horizontes infinitos…
O
rei ergueu as mãos por sobre o rosto
E
todos se curvaram
E
depois disse - «Ide! Deus seja convosco!»
E
as naus ao mar se aventuraram…
E
depois o mar abriu-se em ilhas
Em
portos, enseadas e tormentos
Em
coisas nunca vistas, maravilhas
Em
dores agrestes e duros sofrimentos
E
o relógio da Sé marcava as horas
Os
sucessos, as partidas, as chegadas
Os
naufrágios, as mortes, as demoras
E
a dor das almas enlutadas
E
foi assim que o mundo se alargou
Pelo
sopro criador das velas lusas
Foi
este o mundo que o Português criou
Sem
o auxílio de deuses nem de musas…
A.
Alves Cardoso
segunda-feira, 4 de julho de 2016
FRONTEIRAS
Os
teus olhos,
Ainda
adormecidos,
Amanhecem
névoas e pássaros,
Por
entre uma luz
Que
rasga a pele do chão.
Ao
longe, o mar azula-se
No
céu que o acaricia.
Uma
flor de frangipani
Suaviza
o canto dos búzios
A
nascer na solidão da areia.
O
silêncio do sol
Cabe
inteiro nas tuas mãos,
Que
gritam poemas em surdina
E
se desfolham pétala a pétala
Sobre
o meu regaço de vidro.
Lurdes
Breda
domingo, 3 de julho de 2016
ALIANÇA
És
tu quem afeiçoa
o
nó dos desencontros
e
ciciosa alongas
o
favo do consolo.
Quantas
vezes o tempo
Não
me teria morto
se
o teu solar atento
em
mim não fosse porto.
Que
sombrias as dores,
que
fel o sofrimento,
se
não cantasse a força
da
voz que alimenta,
Poesia:
laço débil,
porém
tão consistente:
único
sol que ferve
nos
mais frios momentos.
António
Salvado
Retirado
do livro “O Gosto de Escrever”
QUAL
DE NÓS MORREU MAIS VEZES?
Qual
de nós morreu mais vezes?
Seguramente
tu,
que
eu sempre estive morto…
Morri
de vez
quando
o sonho se esfacelou
naquela
tarde de um outono antigo
quando
a faca se enterrou
na
carne tenra e pura do meu corpo
e
atingiu a veia jugular da alma...
Não
ressuscitei ao terceiro dia
e
jazo agora envolto no sudário da solidão
que
envolve todos os meus ossos…
Morri,
pois, apenas uma vez
e
o óbito da minha alma
há
de constar algures
nas
repartições de Estado,
que
as almas também morrem...
A.
Alves Cardoso
sábado, 2 de julho de 2016
O
MENINO DA SUA MÃE
No
plaino abandonado
Que
a morna brisa aquece,
De
balas trespassado
—
Duas, de lado a lado —,
Jaz
morto, e arrefece.
Raia-lhe
a farda o sangue.
De
braços estendidos,
Alvo,
louro, exangue,
Fita
com olhar langue
E
cego os céus perdidos.
Tão
jovem! que jovem era!
(Agora
que idade tem?)
Filho
único, a mãe lhe dera
Um
nome e o mantivera:
«O
menino da sua mãe».
Caiu-lhe
da algibeira
A
cigarreira breve.
Dera-lha
a mãe. Está inteira
E
boa a cigarreira.
Ele
é que já não serve.
De
outra algibeira, alada
Ponta
a roçar o solo,
A
brancura embainhada
De
um lenço... Deu-lho a criada
Velha
que o trouxe ao colo.
Lá
longe, em casa, há a prece:
«Que
volte cedo, e bem!»
(Malhas
que o Império tece!)
Jaz
morto, e apodrece,
O
menino da sua mãe.
Fernando
Pessoa
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