terça-feira, 12 de julho de 2016

Na efeméride da sua morte ( Julho 1923) recordemos Guerra Junqueiro

)

ah Poeta`S... tantos e bons...isto é Portugal...bravo Pedro!


















O DOS CASTELOS
      

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.



Fernando Pessoa, in Mensagem 


quinta-feira, 7 de julho de 2016



Cântico 



Uma onda branca
Desmaia em espuma na praia
Cantando a paz dos lírios brancos.
O mar, no seu infinito altar,
Entoa o seu canto inquieto,
Traz, no ventre, pérolas de sal
E asas de mil borboletas brancas.
Canta, mar imenso, a tua fúria!
Canta, mar profundo, a tua calma!
Canta, mar das gentes, canta!
Canta um verso novo a cada alma!

 Anabela Coelho




SÍSIFO

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.



Miguel Torga, Diário XIII


terça-feira, 5 de julho de 2016





DESCOBERTA

O relógio da Sé, na contraluz,
Marcava o destino e a hora da partida
Nas águas do Tejo reflectia-se a luz
E o velame dos barcos que estavam de saída…

Na margem os que ficavam e partiam
Davam ao céu mui altos gritos
Como pombas doloridas que se iam
Pelos vastos horizontes infinitos…

O rei ergueu as mãos por sobre o rosto
E todos se curvaram
E depois disse - «Ide! Deus seja convosco!»
E as naus ao mar se aventuraram…

E depois o mar abriu-se em ilhas
Em portos, enseadas e tormentos
Em coisas nunca vistas, maravilhas
Em dores agrestes e duros sofrimentos

E o relógio da Sé marcava as horas
Os sucessos, as partidas, as chegadas
Os naufrágios, as mortes, as demoras
E a dor das almas enlutadas

E foi assim que o mundo se alargou
Pelo sopro criador das velas lusas
Foi este o mundo que o Português criou
Sem o auxílio de deuses nem de musas…


A. Alves Cardoso 

Antonio Gedão - Cantado por Manuel Freire

segunda-feira, 4 de julho de 2016

















FRONTEIRAS

Os teus olhos,
Ainda adormecidos,
Amanhecem névoas e pássaros,
Por entre uma luz
Que rasga a pele do chão.
Ao longe, o mar azula-se
No céu que o acaricia.
Uma flor de frangipani
Suaviza o canto dos búzios
A nascer na solidão da areia.
O silêncio do sol
Cabe inteiro nas tuas mãos,
Que gritam poemas em surdina
E se desfolham pétala a pétala
Sobre o meu regaço de vidro.
     

Lurdes Breda

domingo, 3 de julho de 2016



ALIANÇA

És tu quem afeiçoa
o nó dos desencontros
e ciciosa alongas
o favo do consolo.
Quantas vezes o tempo
Não me teria morto
se o teu solar atento
em mim não fosse porto.
Que sombrias as dores,
que fel o sofrimento,
se não cantasse a força
da voz que alimenta,
Poesia: laço débil,
porém tão consistente:
único sol que ferve
nos mais frios momentos.

António Salvado
Retirado do livro “O Gosto de Escrever”






QUAL DE NÓS MORREU MAIS VEZES?

Qual de nós morreu mais vezes?

Seguramente tu,
que eu sempre estive morto…

Morri de vez
quando o sonho se esfacelou
naquela tarde de um outono antigo
quando a faca se enterrou
na carne tenra e pura do meu corpo
e atingiu a veia jugular da alma... 

Não ressuscitei ao terceiro dia
e jazo agora envolto no sudário da solidão
que envolve todos os meus ossos…

Morri, pois, apenas uma vez
e o óbito da minha alma
há de constar algures
nas repartições de Estado,
que as almas também morrem...

A. Alves Cardoso 

sábado, 2 de julho de 2016




O MENINO DA SUA MÃE

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.


Fernando Pessoa