terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Natal Divino - Miguel Torga





Natal Divino

Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.

O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar...
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar...

Miguel Torga


Poema de Natal - Vinicios de Morais




Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:

Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes


Cântico Branco

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

SONETO DE AMOR




Soneto de Amor

Ela era nova e no entanto
A morte veio em seu passinho leve 
E levou-a embrulhada no seu manto
O seu rosto florido, o seu rosto breve.

Talvez lá no assento etéreo onde subiu 
Se recorde do tempo de criança 
Do muito que amou, do que sorriu
Do que ficou em mágoa da lembrança. 

E se a morte, dizem, é passageira
Também eu, amor, quero morrer 
E ir ao teu encontro onde estiveres. 

Perto de ti serei o que quiseres 
Que viver sem ti é não viver 
Quero morrer vivendo à tua beira.   


A.  Alves Cardoso 



Tratado das Grandezas do Ínfimo




A poesia está guardada nas palavras – é tudo que
eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
Insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

Manoel de Barros

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Memórias





Memórias

Navego pelas margens
Para não macular
O leito de inocência
Onde foram criadas

São a força do vento
Que eleva meus passos
Quando subo os montes
Que mais ninguém quer

De que posso ter dó
Pressa ou desamor
Destino, o infinito
Onde o amor amadurece


Maria de Jesus





quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

À Bela...



Flor Bela de Alma
 
Qual dos três o primeiro
Bela... como as flores
Alma... de tantos tons
Flor... de múltiplas cores
 
Se os nomes têm alma
Como muitos fazem crer
Os teus criaram a sina
Que deu sentido ao teu viver
 
Por charnecas de Sol raiadas
Em tempos de solidão
Acumulavas da Terra
A força da expressão
 
Com coragem, determinação
Geravas pelas palavras
Os sentires doutras mulheres
Que os costumes calavam
 
Mulher/Menina onde ecoa a paixão
Que foi fraca compensação
Da saudade sempre presente
Do mundo donde vieste
 
Nas centelhas da memória
Encontravas alguma paz
Quando em fogo libertavas
A tua essência aprisionada
 
“Eu quero amar, amar  perdidamente “
“Amar só por amar: Aqui ... além...”
 
Ou ainda
 
“É ter cá dentro um astro que flameja”
“É ter fome, é ter sede de Infinito!”
 
Mas quando o Sol da paixão esmorecia
E desse grão já não conseguias fazer pão
No balançar eterno das estrelas
Buscaste refúgio, e consolação
 
E da tua Alma agora serena, ouvimos o som:
 
"preciso tanto de ser embalada devagarinho... suavemente... como uma criança pequenina, sonhando de olhos fechados, num regaço carinhoso e quente!..."
 
 


 
Maria Adelina 
 



Florbela, para sempre...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Ary dos Santos - Parabéns Poeta





José Carlos Ary dos Santos

7 de Dezembro 1937 // 18 Janeiro 1984



Quando um homem quiser


Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher



José Carlos Ary dos Santos

domingo, 4 de dezembro de 2016

Devagarinho




Devagarinho


Escrevo-te devagarinho
Desenho cada letra
Como se fora um dia
Numa carta eterna

Amo-te devagarinho
Não vá cansar o tempo
Rol de pergaminho
Nas asas do vento

Olho-te devagarinho                                          
Para gravar a promessa
De ver pelos teus olhos
A radiância de Deus

Sinto-te devagarinho
Na folha que se despede
Dança, balança em espiral
E adormece em meu regaço

Penso-te devagarinho
Em lampejos de emoção
Soluço que se torna dom
Raio de sol em cada mão


Maria de Jesus




quinta-feira, 1 de dezembro de 2016




Para o Pedro e Ana Sofia que celebram o seu dia de Natal. Desejo que nunca lhes falte o encantamento e o riso. Para todos os Polegarzinhos!





“A mão que embala o berço governa o mundo” Abraham Lincoln



SE EU FOSSE

Se eu fosse um espanta pardais no meio da seara
Um boneco de neve num jardim
Uma estátua, serena, numa praça
Ou um discreto e meigo arlequim.
Se eu fosse um anjo da guarda suspenso na parede
Uma boneca de trapos de longas tranças
Uma fada, um duende
Um palhaço alegre de todas as crianças.
Ah, se eu fosse o que me vai no pensamento
Uma simples caixa de música a tocar ternura
Jamais me queixaria das dores e das tristezas
E, nasceria todas as vezes em qualquer altura.

     
Anabela Coelho



Fernanda Botelho - Parabéns Poeta



Fernanda Botelho

1 de Dezembro de 1926 // 11 de Dezembro de 2007 

Amnésia


Posso pedir, em vão, a luz de mil estrelas:
apenas obtenho este desenho pardo
que a lâmpada de vinte e cinco velas
estende no meu quarto.

Posso pedir, em vão, a melodia, a cor
e uma satisfação imediata e firme:
(a lúbrica face do despertador
é quem me prende e oprime).

E peço, em vão, uma palavra exacta,
uma fórmula sonora que resuma
este desespero de não esperar nada,
esta esperança real em coisa alguma.

E nada consigo, por muito que peça!
E tamanha ambição de nada vale!
Que eu fui deusa e tive uma amnésia,
esqueci quem era e acordei mortal.



Fernanda Botelho

quarta-feira, 30 de novembro de 2016



Pedacinhos de Ti

Tudo me leva para o mar
Alvos novelos de lã, nuvens
Aquelas que teus olhos beijam
Assentes em aguarela azul        

Sinto nas mãos as algas
Alfombras de teus pés
No lilás que teima em florir
Na moldura da minha janela

O campo ondula no pico do meio-dia
Miríades de ondas em alto-mar
Nesta nau sem âncora ou lastro
Vogam, os pedacinhos de ti

Imito Neruda quando diz…
"Amo-te quando te amo, e quando 
não te amo, amo-te mais ainda…"



Maria de Jesus




Para sempre Pessoa - Fernando Pessoa - Biografia.

terça-feira, 29 de novembro de 2016



Tantas vezes vida, tantas vezes morte

Neste momento dou ao meu perfil 
a configuração de uma haste 
que, ao primeiro sopro do vento, 
adivinha um fogo posto nas palavras.
Conheço o rigor das noites 
e o alarmante traço 
da obsessão pelas trevas 
que me cingem os braços
quando o reflexo do luar
incide nas manchas do meu rosto 
e com os mais antigos olhos 
posso rever o passado: 
tantas vezes vida, tantas vezes morte.

Graça Pires

De Uma claridade que cega, 2015


Ainda é cedo, sabes?

As pedras são maiores que as nossas mãos.
No ar pesa a espessura da tristeza.
As uvas estão verdes.
Não é tempo do vinho.

O grão já é farinha, mas
o fermento dorme.
Não é tempo do pão.

Pequenos os seios das mulheres.
Não é tempo do leite.

As abelhas zumbem, mas
a flor do rosmaninho é só botão.
Não é tempo do mel.

Amargos os lábios dos homens.
Não é tempo do beijo.

Ainda é cedo, sabes?
Esperemos de mãos dadas,
sentados no caixote dos brinquedos,
bebendo os versos que havemos de escrever.
Verás que amadurece o tempo da saudade.

Licínia Quitério
In: Memória, Silêncio e Água. Poética

sábado, 26 de novembro de 2016


Composição

De que se compõe um poema
Senão da migração dos sentires
Qual andorinha perdida
Na cruz da rosa-dos-ventos

De onde vem para onde vai
É um mistério dos tempos

Tem o sopro quente
Das lembranças doces
De sorrisos inesperados
De silêncios falados

Que diz ou não diz
Tem gosto ou aroma

Ao sabor do chá confidente
A cheiro de maresia ausente
Tem forma de gente
Alma, timbre, do meu canto


Maria de Jesus




quinta-feira, 24 de novembro de 2016



Roda de Mar

Os dias estremecem de saudade
Debruçados em varanda de espuma
E o espírito liberta-se, voga sereno
Mestre-escola da senda da vida

O som eleva-se ao bramido do vento
Enche-se de luz, fogo, melodia
Na candura com que te embala
Minha voz é cântico, carícia, entrega

Na roda de mar que nos aconchega
Trono de paredes de rocha nua
Mergulho na maré de teus sonhos
E sou alga, água, jardim ou lua...

Maria de Jesus



quarta-feira, 23 de novembro de 2016





Imperdoável

Imperdoável é o que não vivi,
Imperdoável é o que esqueci,
Imperdoável é desistir de lutar,
Imperdoável é não perdoar,

Tive dois reis na mão e não apostei,
Vi catedrais no céu e não as visitei,
Vi carroceis no mar mas não mergulhei,
Imperdoável é o que abandonei,

Vejo-me cego e confuso nesta cama a latejar
O que seria de mim sem o meu sentido de humor
Praticamente mudo sinto a máquina a bater
É o rugido infernal destas veias a ferver

Imperdoável é dispensar a razão,
Imperdoável é pisar quem está no chão,
Imperdoável é esquecer quem bem nos quer,
Imperdoável é não sobreviver.

Jorge Palma


Herberto Helder - Parabéns Poeta



Herberto Helder

23 de Novembro de 1930 // 23 de Março de 2015


Sobre um Poema


Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Helder

terça-feira, 22 de novembro de 2016



Para meu coração basta teu peito
para tua liberdade bastam-te as asas
Desde minha boca chegará até o céu
o que estava dormindo sobre tua alma

E em ti a ilusão de cada dia
Chega como o sereno às corolas
Escavas o horizonte com tua ausência
Eternamente em fuga como a onda

Disse-te que cantavas no vento
como os pinheiros e como as hastes
Como eles a tua taciturna altura
e entristeces prontamente, como uma viagem

Acolhes como um velho caminho
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas
Eu despertei e às vezes emigram e fogem
os pássaros que dormiam em tua alma



Pablo Neruda






Sou um Louco sou Poeta

Perfumaste minha boca
Com o batom dos teus lábios
Embriagaste meu ego
Com teus sentimentos sábios

vou falar como os profetas
Quero asas para voar
Quero ir ao imaginário
Quero tempo p´ra pensar

É no outono que as árvores
Se despem do manto verde
E com sua irreverencia
Há algo que sempre se perde

Sou um loco sou poeta
Que busco minha magia
Sou talvez um ser humano
Que partilha poesia

Com minha voz diluída
Com minha dor palpitante
Sou uma força perdida
Num gesto irrelevante


Carlos Arzileiro Pereira

No dia dedicado aos Músicos - Carlos Paredes

segunda-feira, 21 de novembro de 2016




Velando

Beija os meus sonhos a eles tão só
Deles farei borboletas rodopiantes
Ébrias de alegria moldes de encanto

Abraça-me com olhos de espanto
Como quando rezas ao infinito
E teus olhos derramam estrelas

Toca-me os cabelos só com a intenção
Da harpa que tange co silvo do vento
Melodias, em pautas nunca escritas

Sussurra teu canto no ar que inspiro
Estrofes de seda a esvoaçar dizeres
Que o mar, os trará a meu cais

Maria de Jesus